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Compulsão em ajudar

      Entra uma senhora em meu gabinete de aconselhamento com um sorriso tímido, como que pedindo desculpa por me procurar.

- “Marianne é seu nome? Muito prazer. Eu sou o pastor Udo. Em que eu lhe posso ser útil?”

     Ainda toda sem jeito confessa: “Eu não tenho mais vontade de viver, pastor. Não sei mais pra que continuar nessa vida.”

- “Que bom que você veio! Você vai ver que nossas conversas vão te ajudar. Você poderia me contar um pouco da sua vida para eu começar a compreender você?”

- “Desculpe, pastor, mas eu não sei o que contar.”

     Faço então perguntas específicas e descubro que está com 36 anos de idade, divorciada, um filho de 7 anos, trabalha como enfermeira, tem os pais separados.

- “Marianne, se você fosse resumir sua pessoa em poucas palavras, o que é o traço mais marcante em você?”

- “Eu gosto muito de ajudar. Quando vejo uma pessoa em dificuldade eu não consigo me segurar, tenho que ajudar. Senão não durmo de noite.”

-  “Descreva-me isso um pouco mais! Conte-me um caso!”

-  “Ah! Têm tantos. Por exemplo: eu estava bem, morava em Portugal, quando meu marido me abandonou. Aí meu pai, aqui no Brasil, me chamou, dizendo que precisava de mim. Abandonei tudo, o emprego, a segurança, o futuro, para vir cuidar dele.”

-  “Seu pai tem alguma dificuldade especial para precisar você do seu lado?”

- “Não. Ele viaja muito, fica com sua namorada lá em Sta. Catarina. Mas ele precisa de alguém que cuide da casa, do jardim, dos cachorros.”

- “Como é sua relação com sua mãe?”

- “Ela também nunca está satisfeita. Eu faço tudo pra ela, estou sempre à disposição, mas parece que nunca consigo agradar.”

- “A sua relação com seu marido foi assim também?”

- “Sim. Eu fazia tudo o que ele queria, estava sempre à disposição, não discordava de nada mesmo quando ele era ruim pra mim, mas no fim ele me abandonou dizendo que estava insatisfeito comigo.”

- “Você se anulava com a esperança que com isso ele te valorizasse?”

- “Nunca olhei para as coisas desse jeito.”

- “Imagino que você se anula também em relação a seu pai e sua mãe com a esperança que assim eles dêem valor a você?”

     Ela fica sem reagir.

- “E quanto mais você se coloca à disposição das pessoas, menos valor elas dão a você?”

- “Acho que é assim.”

- “Você é assim com todos?”

     Ela acena positivamente.

    Pondero com ela: “Ontem à noite veio um homem de uns 30 anos para o aconselhamento, com uma vida imensamente complicada. Ele disse que teve um relacionamento contigo!?”

- “É. Deve ser isso. Ele veio pra mim, eu não tive outra saída do que acolhê-lo, e tendo ele todo dia lá em casa, acabou acontecendo isso.”

     Tento questionar: “Ele é como um menino perdido e você uma mamãe para ele? Percebe como ficou estranha essa relação?”

- “Eu sei, pastor. Aquilo já acabou. Eu perdi o controle.”

- “Mas pra tudo o que ele precisa, ele continua vindo à sua casa!?”

- “É que ele não tem ninguém.”

- “Você paga as contas dele?”

- “Minha vida está enrolada, pastor. Por isso eu vim procurar ajuda. Vou precisar que o senhor me oriente, porque estou totalmente confusa.”

- “E do jeito que andam as coisas a vida perdeu a graça? Você freqüenta a igreja?”

- “Sim, eu sou membra de igreja, mas mesmo que as pregações mexam comigo – eu sei que tem coisa errada na minha vida – eu saio dos cultos sem saber o que fazer.”

- “Os cultos não estão dando uma resposta específica para sua situação?!”

- “Por isso sugeriram que eu viesse falar com o senhor para descobrir onde está o meu problema e o que eu devo mudar.”

- “Marianne, estou muito feliz que você veio, você vai ver que vão surgir respostas bem claras para seu problema. Espero tê-la conquistado hoje para que você venha agora regularmente a meu gabinete!”

- “Com certeza, pastor. Muito obrigado o senhor ter-me escutado. Já me sinto mais aliviada.”

     Felizmente ela passou a cooperar não só para consultas semanais como também na aplicação de princípios básicos.

- “Mariane, ajudar nem sempre é uma qualidade. No seu caso é evidentemente um defeito!”

- “Não entendo, pastor.”

- “A ajuda real faz bem tanto ao ajudado como ao ajudador. Posso dizer que isto não é o que acontece contigo? O tipo de ajuda que você está dando faz mal tanto ao ajudado como a você?”

- “Mas como eu vou negar um pedido a meu pai, por exemplo?”

- “Jesus  é nosso exemplo máximo, não é?”

- “Claro!”

- “Então, olhando para Jesus, ele atendeu a todos os pedidos de sua mãe?”

- “Não sei. Nunca olhei para a sua pessoa sob esta ótica.”

- “Por exemplo naquele episódio famoso da Festa de Bodas em Caná. A mãe tentou fazer Jesus entrar em ação na hora em que ela achou apropriada. Qual foi a reação de Jesus? Ele ousou – desculpe a dureza da expressão, mas no fundo foi isso que aconteceu ali – Jesus ousou mandar sua mãe às favas.”

- “Mulher o que eu tenho a ver contigo?”

- “Você precisa descobrir Mariane que a ajuda só tem a benção de Deus, ajuda só é REALMENTE ajuda quando ele constrói, edifica tanto ao ajudado como ao ajudador.”

- “Como descobrir isso?”

- “Se eu olhar para mim, somente para mim, muitas vezes não vou ajudar porque estou com preguiça, porque não gosto da pessoa à minha frente e mil outras razões existem para eu permanecer de braços cruzados, não é?”

- “Sim, por isso eu prefiro ajudar sempre.”

- “E acaba errando por isso. Porque permite que o outro abuse de você, faça gato e sapato de você. Desculpe eu lembrá-la disso, mas pra ficar bem claro: repare, você é uma mulher cristã e muito correta, mas quando aquele amigo precisou de sexo ...”

     Ela abaixa a cabeça entristecida pelo fato constrangedor que aconteceu.

- “Estou correto na minha avaliação Mariane que seu problema maior é não conseguir dizer não?”

     Surpresa, ela ergue o olhar: “É verdade, pastor. Eu não consigo dizer não. Mas não está escrito na Bíblia: ‘Dá a quem te pedir, e não voltes as costas ao que quiser que lhe emprestes.’ Mt.5.42”

- “Se aplicássemos ao pé da letra este texto, teríamos que participar de tudo o que outros nos pedirem, mesmo que seja pecaminoso como por ex. o outro me pede dinheiro e eu sei que ele vai usá-lo para comprar drogas ou ir atrás de algum vício, mas porque existe este versículo na Bíblia eu teria que dar-lhe dinheiro, todo dia, sem fim?”

-  “É isso também não dá.”

-  “Precisamos exercer continuamente o discernimento do certo e errado tanto em nós como nas pessoas que se aproximam de nós.”

-  “Até com nossos familiares ...”

-  “Sim, Mariane, sobretudo com nossos familiares porque é ali que acontecem as nossas relações mais intensas. E quando agimos de modo errado ali, fazemos mal a nós e a outros que amamos. Desculpe novamente te lembrar de coisas desagradáveis: mas por você voltar pro Brasil, você facilitou a vida frívola do seu pai. E ele com a maior cara de pau está usando você para viver uma vida errada. Estou certo?”

-  “E assim eu acabei sendo juntamente culpada pelos seus pecados?”

-  “Bem, eu não sei se chegaria a dizer isso, porque você não tinha noção do que acontecia, mas agora que passou a entender, gostaria de dizer: Sim, Mariane. Você precisa URGENTEMENTE aprender a dizer não, um GRANDE NÃO, principalmente a pessoas próximas de você.”

- “Mas eu não se consigo, pastor. Quando meu pai vem ao meu encontro, eu sinto em mim já dizendo sim antes de ele abrir a boca.”

- “Você descreveu corretamente o que acontece em você. Portanto, quando sair do meu gabinete e se você concordar que você recebeu agora um ensino que não veio da boca de um pastor, mas que a boca do pastor foi boca de Deus pra você, se este for o caso, ore primeiro, medite bem, mas quando estiver convicta disso, diga a si mesma: Eu vou mudar. Repita: eu consigo mudar! Eu quero agir como Jesus agiu. Eu quero ser ousada como Jesus foi ousado com sua própria mãe. Você verá, Mariane, você verá crescer dentro de você, passo a passo, a coragem de NOVAMENTE TOMAR A SUA VIDA EM SUAS MÃOS e parar de ser pau-mandado dos outros e suas vontades tortas. Que tal?”

     Este processo se estendeu por diversos meses, por muitas outras vindas, mas que felicidade, um dia a Mariane veio e com um rosto cheio de sorriso declarou: “Pastor, a minha vida está novamente ficando cheio de cores, estou descobrindo a graça de viver!”

Udo Siemens

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